quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A cidade e os olhos - Italo Calvino

São Paulo + outras São Paulo + Casa antiga + Casa Nova + coisas novas + coisas antigas = confusão e frenesi. Encontei-me com Calvino no banheiro. Aqui a chuva cria lagos no meio da rua e filas infindáveis de carros. Estaciona-se "amuntuado" dentro de ônibus que cheira gente molhada ou se corre deixando as gotas espessas espatifarem-se na minha roupa, na minha mochila com livros e agenda abarrotada, na minha pele. Um pouco de água + Liga O Foda-se + Dá gargalhada e enlouquece = Isso... e é isso!

"Ao chegar a Fílide, tem-se o prazer de observar quantas pontes diferentes entre si atravessam os canais: pontes arqueadas, cobertas, sobre pilares, sobre barcos, suspensas, com os parapeitos perfurados; quantas variedades de janelas apresentam-se diante das ruas: bífores, mouriscas, lanceoladas, ogivais, com meias-luas e florões sobrepostos; quantas espécies de pavimento cobrem o chão: de pedregulhos, de lajotas, de saibro, de pastilhas brancas e azuis. Em todos os pontos, a cidade oferece surpresas para os olhos: um cesto de alcaparras que surge na muralha da fortaleza, as estátuas de três rainhas numa mísula, uma cúpula em forma de cebola com três pequenas cebolas introduzidas em sua extremidade. “Feliz é aquele que todos os dias tem Fílide ao alcance dos olhos e nunca acaba de ver as coisas que ela contém”, exclama-se, triste por ter de deixar a cidade depois de tê-la olhado apenas de relance.
Sucede, no entanto, de permanecer em Fílide e passar ali o resto dos dias. A cidade logo se desbota, apagam-se os florões, as estátuas sobre as mísulas, as cúpulas. Como todos os habitantes de Fílide, anda-se por linhas em ziguezague de uma rua para a outra, distingue-se entre zonas de sol e zonas de sombra, uma porta aqui, uma escada ali, um banco para apoiar o cesto, uma valeta onde tropeça quem não toma cuidado. Todo o resto da cidade é invisível. Fílide é um espaço em que os percursos são traçados entre pontos suspensos no vazio, o caminho mais curto para alcançar a tenda daquele comerciante evitando o guichê daquele credor. Os passos seguem não o que se encontra fora do alcance dos olhos mas dentro, sepultado e cancelado: se entre dois pórticos um continua a parecer mais alegre é porque trinta anos atrás ali passava uma moça de largas mangas bordadas, ou então é apenas porque a uma certa hora do dia recebe uma luz como a daquele pórtico de cuja localização não se recorda mais.
Milhões de olhos erguem-se diante de janelas pontes alcaparras e é como se examinassem uma página em branco. Muitas são as cidades como Fílide que evitam os olhares, exceto quando pegas de surpresa."

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