sábado, 16 de maio de 2009

Amargo

Amargo. Assim sinto o mundo. Imundo de restos de cascas, peles, unhas e pêlos. Percebo, mesmo no invisível, todas as sobras destes instantes que passaram. O mundo também é feio. É feito de escarro, do irônico que se espalha por toda a sala, de sentar desconfortável em sofá cheio de espumas velhas que causam alergia.
O mundo também fere. É ferida. É pus de rua. É grito de sofrer e sofrimento de calar-se. É se debater. É se prolongar derretendo-se. É não se querer e pensar em pular. Se admirar imaginando o voar. Quando o sufoco parece não mais só sufocar, mas também deseja empurrar, deseja matar.
Mas o que matar? Matar a mim, o mundo, o agora? A proximidade entre morrer e se sentir morrendo se faz tão presente que não sei mais se há diferença. Fúnebre pensar.
Ele então aluga um quarto no décimo andar daquele hotel no centro da cidade turbulenta. Privado em si olha de cima todo o público recheado de sons de buzina e se entrega a eles. Se joga, e durante alguns segundos sente-se bem. Antecede a morte sensação de viver. Neste instante não mais se morre. Aproveita o ar rasgando sua face e não passa filme de sua vida. Ele apenas olha como a calçada se aproxima com velocidade esclarecedora. Era uma risca, era uma árvore, era uma cesta de lixo. Repara nas cores, nos traços desenhados na rua, nas linhas que se cruzam, nas luzes que se movimentam com o seu cair. O que menos queria neste momento era pensar no que passou. O que quer é sentir de novo a possibilidade de olhar o agora de um jeito menos sufocante. Quer o agora com vento e não mais com água podre parada de esgoto.
O mundo também é feio. O que vem mesmo depois da morte?

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Fumar...

Seca, a fumaça chega aos lábios por via de dois dedos longos erguidos. O cigarro a cospe dentro de mim. E num beijo demorado a antropofagizo durante o percurso que me faz de via. E quando não mais somos juntos, a sopro. Agora nela também sou mundo. Por ares ela voa mais dissipada, mais suscetível. Ao vento, mais misturada. Se perde no ar, se ganha no ar.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Me solta de mim!

E no rebuliço que é Vida, pisa. Pé direito e pé esquerdo, rodopiando a saia na beira do chão.

Coloco a mochila nas costas e sumo um pouco de mim no agora.
Estrada que me leva embora. Embora de lá que nunca fui, indo.
Sondo cidades que desabitam raiz. Brinco de morto-vivo. Perco, vivo.
Durmo no chão, bem. Bem no chão. Durmo no frio chão da cidade de São paulo. Durmo bem no frio chão da cidade de São paulo. Ao som de violino, cercado de outros sonos. Bem.
E assim foram semanas de presente para mim. Semanas de caramujo. Sendo casa, sendo corpo, sendo mala.
Por mim viajei amigavelmente. Para que o sair e o ficar ganhassem seus devidos lugares, apenas lugares. O farelo que fica por Onde-quer-que-seja é sobra dispensável. Apenas me levo com massa que faz miolo e casca. O que cai e se espatifa no ar é para não deixar gosto, para não me ser mais.
Pois é na rua que minha dança pesa, leve. Levo.
Pois é de perto que distancio de mim a vergonha - invenção besta e ressentidamente seca.
Pois é na rua que minha dança leve pesa. E só na rua, sem quartos particulares, sem endereços fixos, sem colchão próprio e planta minha que pude distanciar-me de mim.

"Me procurei a vida inteira e não me achei -pelo que fui salvo" (m. barros)

Por mim viajo...

E mesmo sem depositar vontade nos dias, eles continuaram andando.
No meio da correria houve então uma época que no meio do meio-dia a bala de canhão acertou o relógio da Praça Central.
Na inércia, pequenos estilhaços de ponteiros se cravaram em placentas pré-fabricadas.
A verde gosma escorreu pelos poros que antes se entupiam de poeira. Os pêlos nasceram. E somente após o instante que perceberam o crescer dos pêlos, o tempo pode ser esquecido. Pois de mim saiu confuso o mundo. E este, neste, deste dia eu fagocito o mundo e ele ora deliciosamente ora não me enfia guela abaixo...

Campinas-Guaíra-Assis-SãoPaulo...