terça-feira, 11 de novembro de 2008

Trabalho/vida

Aconteceu em um desses dias atrás, quando uma usuária veio me perguntar sobre o dilúvio, onde Noé após um logo período de chuva juntou várias bichos, cada um em seu par, e colocou em seu barco para poder salvar a espécie. Ela me perguntou: E os peixes, também subiram no barco? Depois de pensar um pouco sobre esta questão intrigante, respondi que não e perguntei pra ela logo em seguida: E os pássaros? Ela disse que os pássaros sim, pois após a chuva eles não conseguem voar, suas penas se molham e assim, caso não sejam protegidos morrem.
Uma conversa guiada pelo jogo, pela vontade de descobrir uma fenda diante da história que responderia uma questão para mim muito forte: Quando é que precisamos ser salvos e quando é que precisamos de ajuda? Quando a chuva não nos permite viver? Quando o ambiente que nos cerca ganha uma densidade na qual o respirar, o deslocar-se, o ser, fica impossibilitado, por um regra na qual se comunicar com o resto do “barco” majestoso seja uma exigência?
Em baixo da água pouco se ouve. Ao invés do que habitualmente estamos acostumados a ouvir, ouve-se ruídos ou um silêncio que pode nos ensurdecer e até nos impedir de gritar. Embaixo d’água nossos canais auditivos se entopem de uma textura diferente que faz com que nosso contorno seja mais gelatinoso, nossos movimentos sejam mais lentos e repletos de contato com algo mais palpável que o ar. Nos atrevemos a mergulhar, mas não somos peixes,...
E os pássaros ...que nos seus vôos não sentem os pés no chão, olham de cima o que nos é tão distante, a terra. Essa terra que apesar de estarmos com os pés grudados nela permite apenas que visemos o que está mais perto, o que nos cega com a rigidez dos objetos não ultrapassáveis. Eles que estão a plainar sob nossas cabeças podem esquecer que precisam caminhar...até que a chuva chegue, até que seu locomover veloz pelas nuvens ganhe um peso sobre suas asas que lhe fazem lembrar do quanto que voar intensivamente cansa e necessita de pouso.
Mas não somos pássaros... Somos o que não se limita pelas leis das penas impermeáveis nem pelas brânquias alérgicas de ar. Somos uma possibilidade de mergulhar, de voar, e de caminhar. Não nos contentamos com o simples fato de se adaptar em um meio estabelecido pela nossa espécie, precisamos ir além do que nos é dado como existir.
Com o tempo inventamos maneiras de voar pelos continentes, de nadar nas profundezas, de caminhar, de caminhar, de caminhar, sem vista de horizontes como lugar de chegada. Estamos sempre nos locomovendo.
E carregados de sofrer, e cheios de medo.
Assim como dizia Saramago “Somos uma tremula chama que a todo momento ameaça apagar-se”, temos a imensidão das possibilidades e ao mesmo tempo o encontro constante com a morte, com o fim. Não ter sobre nosso controle os efeitos desta invenção chamada tempo, de encontrar peixes voando em um espaço chamado imaginação.
Tentamos construir barcos quando muitas vezes o que se precisa é apenas boiar, com o corpo repleto de ar, mas molhados e envolvidos por água e viver é o maior dos riscos...e inventar a vida é um dos maiores deleites.

Um comentário:

Asinim disse...

Chero, eu quero um chamberlein desse tb. Genial essa analogia do viver com o sobreviver da arca de noé. Tanta sensibilidade e profundidade nas palavras só podia mesmo estar transcendendo.