Todo dia repete o que? O dia?
A lotação e a estrada lotada de caminhão. Asfalto quente, fumaça, uma solidão.
A rua é via, é correria. Informações de vidas que caladas deixam nos vidros engordurados de cabelos amanhecidos restos de olhares. Olhos sem brilho boiam nas faces apáticas, sombreados por olheiras cansadas, causadas de tanto olhá pra tamanha quantidade de gente a andá, a pará, a entrá, saí e levantá.
Duas putas sentam após o fim de expediente, já é manhã.
Uma cega declama seu discurso ensaiado,já é tarde, não percebe que o ônibus está vazio. Senta-se ao meu lado e me expreme com seu não-ver que faz com que os sons dos aviões, motos e outros diversos motores gritem aos meus ouvidos.
O garoto sai da cadeia após dois anos de prisão. Nunca havia visto o modelo novo do carro que passa. Irá tomar café-da-manhã na casa da mãe. Ela não sabe. Ele está feliz.Já é manhã de novo
Wisnik sai da caixa de Mp3 através de um cordão. "Anoitecer":
"É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.
É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.
É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz - morte - mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo."
Um comentário:
"São, São Paulo meu amor
São, São Paulo quanta dor
São oito milhões de habitantes
De todo canto em ação
Que se agridem cortesmente
Morrendo a todo vapor
E amando com todo ódio
Se odeiam com todo amor
São oito milhões de habitantes
Aglomerada solidão
Por mil chaminés e carros
Caseados à prestação
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito"
Tom Zé.
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